Descrição
Coimbra, 20 de Maio [1947] – Quando conseguirei eu tirar de uma vez a minha máscara? Ser eu, plenamente? Eu, um homem bom, simples e sociável. O que isto tem custado! De defesa em defesa, de traumatismo em traumatismo, fiquei como a orelha de um atleta de circo, que observei um dia, encarquilhada e disforme.
[…] Tanta pancada levei, tanto pé me pisou a pele, que me fiz tojo arnal. E ninguém que me conhece suspeita sequer do outro que está por trás de mim, alegre como um passarinho, brando como uma folha, delicado como um rebento.
[…] Poucos devem ter tido no mundo a minha sorte: ser um homem inteiramente livre. […] Permaneci na minha pureza natural, cidadão livre do mundo e português. Mas não há dúvida que, para a maioria, me cerquei de arame farpado. É inegável que fechei muitas portas a quem talvez as devesse abrir, mesmo se quando tentei fazê-lo me entrou por elas um vendaval.
Diário IV
É este homem, assim auto-analisado, que pretendemos dar a conhecer melhor em abordagens de temática diversa. É o nó cego de contradições, em permanente estado agónico, obcecado por uma dúvida: Conseguirei eu dar aos outros um retrato fiel e sincero da minha verdadeira pessoa humana? Falamos do homem telúrico, do médico, do escritor, do revolucionário, do andarilho. Do cidadão comum de perfil duro como o perfil do mundo que não deixa transparecer a graça da poesia. Dois homens num só rosto! E está tudo dito….